Lugar de médico é na Ceagesp
Afirmação é do pesquisador responsável por popularizar as bases fisiológicas da terapêutica natural e da alimentação viva no Brasil
Doutor pela conceituada Universidade Ludwig Maximilian, de Munique, Alemanha, Alberto Peribanez Gonzalez é uma das principais referências em alimentos vivos em atuação no país.
Especialista nas propriedades curativas e benéficas das substâncias naturais, o médico conduz um pioneiro projeto no município de Osasco, na Grande São Paulo, que visa educar e ensinar a população a preparar todas as refeições com ingredientes 100% vivos, inclusive as sobremesas.
Conceitualmente, os alimentos vivos são vegetais crus que não passam por cozimento ou processos de industrialização, assegurando todas as suas propriedades nutricionais e, nesse contexto, a culinária viva garante a preservação da saúde e previne doenças.
O difícil, entretanto, é tornar atrativo esse tipo de alimentação ao paladar da maioria dos brasileiros.
Pensando nisso, dr. Gonzalez, autor de mais de cem artigos científicos sobre o tema, publicou o livro Lugar de médico é na cozinha (Editora Alaúde), no qual reeduca os leitores com dicas e receitas de dar água na boca.
Ao caminhar recentemente pelos corredores do varejão do MLP (Mercado Livre do Produtor) com a reportagem do Jornal Entreposto, o pesquisador salientou que lugar de médico também é na Ceagesp e “no meio do povo, ensinando e conscientizando”.
Dr. Gonzalez também é um ativo defensor da extinção dos pesticidas e herbicidas. Ele acredita que um dia a sociedade vai derrubar a “ditadura do agrotóxico”. E, para que isso se realize, ele diz que é necessário, antes de tudo, conscientizar as pessoas do mal que fazem a si quando consomem alimentos cultivados com as substâncias do gênero. Ao som de Shimshai, músico americano que participa de todos os festivais de alimentos vivos dos Estados Unidos, o ‘médico verdureiro’ conversou com a redação do JE, visitou o varejão e aproveitou para comprar os ingredientes da caldeirada de frutos do mato e do famoso suco verde.
Jornal Entreposto – Por que o senhor crê na possibilidade de vivermos num mundo sem agroquímicos?
Alberto Gonzalez – O próprio produtor que distribui na Ceagesp já está mudando o jeito de produzir e reduzindo a quantidade de agrotóxico. Estamos usando cada vez mais técnicas de agricultura biodinâmica.
Tudo isso para chegar ao completo uso do orgânico, objetivo do meu trabalho, que não se resume somente à medicina. O projeto que eu conduzo na cidade de Osasco embora seja uma ação de âmbito municipal, é voltado à população paulista em geral.
JE – Este projeto já foi implantado no SUS [Sistema Único de Saúde]?
Gonzalez – Ainda não existe uma implantação direta no SUS, mas temos uma firma de caráter privado, com viés público, denominada Oficina da Semente. Trata-se de uma empresa de consultoria municipal, com a intenção de qualificar os profissionais da área da saúde, para a promoção da qualidade de vida e prevenção de doenças. Osasco é o piloto desse projeto. Trabalhamos atualmente no Parque Chico Mendes. O atendimento é individual, porem, só são consultados os pacientes que fizeram as quatro aulas sobre o açúcar, o amido, o alimento orgânico, suco verde e, finalmente, a aula sobre alimentação de reforço, que é o almoço no qual falamos sobre como preparar verduras cruas e quentes para comer com o tradicional arroz com feijão.
JE – Como tornar esse tipo de alimento atrativo para o público brasileiro, que não tem o hábito de consumi-los?
Gonzalez – O doce é muito atrativo para o paladar porque ele vem desde a nossa infância, lembra aniversário, reunião de família. Mas evoluimos para um doce composto de fruta crua, não processada. Nós podemos fazer uma mousse de maracujá usando a manga para dar o volume e o maracujá para dar sabor.
Joga-se linhaça para engrossar e, com isso, faz-se a consistência da mousse. Esse é um dos exemplos de receitas para tornar o alimento vivo atrativo, para seduzir o paladar da população. O alimento vivo é mais saboroso que o alimento cozido. É engraçado quando as pessoas aprendem um prato que se chama caldeirada de frutos do mato. A intenção do livro não é promover receitas. Nós mostramos o método de funcionamento, como preparar o alimento e, por fim, damos dicas de receitas. A partir daí, a pessoa é estimulada a exercer sua própria criatividade. No curso em Osasco, existe uma quinta aula chamada almoço de família, na qual os que assistiram ao curso preparam o próprio almoço. Às vezes, são 100 pessoas preparando juntas a refeição.
JE – Até quantos graus podemos cozinhar os alimentos sem que suas propriedades nutricionais sejam alteradas?
Gonzalez – Algumas substâncias, como enzimas e antioxidantes que atuam no nível da temperatura corporal, são ativadas a uma temperatura de 40ºC, que é a temperatura da febre. Por que o corpo tem febre? Porque a febre ativa essas moléculas e todo o sistema imunológico se acelera para tentar debelar uma certa doença. O ideal é comer verduras, legumes e hortaliças crus. A abobrinha, a mandioquinha e até a batata podemos prepará-las em baixíssimo cozimento, no vapor. Assim, conseguimos poupar alguns nutrientes, mas os antioxidantes se perdem. No cerne da hortaliça pode ser que a temperatura não chegue a esse nível e as propriedades nutricionais sejam mantidas.
JE – As cores dos alimentos influenciam na dieta de alimentos vivos?
Gonzalez – Quando trabalho com crianças, eu cubro todo o material com um pano e pergunto para elas se elas acham que podemos comer arco-íris. Claro que elas dizem que não. Aí, eu puxo esse lençol e coloco todas as frutas e hortaliças separadas por cores, e juntos nós preparamos os alimentos e comemos o arco-íris. Cada cor do arco-íris corresponde a um determinado nutracêutico. Por exemplo, o caroteno é um nutracêutico. Ele é anticâncer, antioxidante, é bom para a pele. O caroteno é laranja. Isso se deve à transferência da luz solar para dentro do reino vegetal, uma característica das plantas. O reino vegetal é luz do sol condensada. O que está sendo vendido na Ceagesp é luz do sol condensada. As plantas são especialistas em captá-la e transformá-la em matéria. E o homem transforma essa matéria retirando seus nutrientes. Por ignorância quanto à lei da natureza, o homem estraga o alimento. Quando se faz uma compota de pêssego, estragamos esse pêssego. Que me desculpem os produtores de compota. A compota de pêssego é açúcar, e não mais pêssego. Já perdeu todos os nutrientes. O alimento, quando vem de uma planta, ele está acompanhado de uma falange de antioxidantes que são afins e atuam sinergicamente.
Quando você come uma cenoura crua, você ingere o caroteno, mas o caroteno sozinho não faz nada. Quem atua junto com o caroteno é o complexo carotenóide. Por isso, na Ceagesp vende-se prevenção do câncer.
Todas as folhas que se vendem aqui são riquíssimas em ácido fólico. Quando se cozinha ou se processa a folha, perde-se o ácido fólico. Portanto, ensinamos a preparação do suco verde, que é todo feito de hortaliças cruas e folhas. Nós também ensinamos a produzir essas hortaliças no domicílio, que é uma forma de ter alimentos orgânicos produzidos em casa.
Como o suco verde é coado, essa fração de celulose peluda da folha da abóbora e do chuchu, que é muito ingrato para a gente digerir, não vai embora. Fica tudo no suco e só recebemos os nutrientes de altíssimo valor biológico das folhas. Um fato muito importante é que as folhas são fornecedoras de proteína.
JE – Mas esse fato pode ser contestável.
Gonzalez – O Instituto de Pesquisa Nutricional Max Planck, da Alemanha, detectou que os aminoácidos, as vitaminas presentes no reino vegetal folhoso e outros, são hidrossolúveis. Quando você toma um suco verde, recebe proteína solúvel em água que vai se incorporar na célula. O que explica o fato de um gorila enorme, de quase uma tonelada, comer só folha? É aí que entra o assunto da biodinâmica, que eu quero transmitir para todos da Ceagesp, dizendo para todos investirem no orgânico. Não precisa ser radical, mas invistam na redução da utilização dos agrotóxicos. Do mesmo jeito que tem dependente de droga, os agricultores estão dependentes dos agrotóxicos. Eles acham que não conseguem mais plantar sem agroquímicos. Mas existe sim como plantar sem pesticidas, mesmo em grande escala. Basta que algumas medidas sejam tomadas.
Eu estive na Alemanha recentemente e vi produtores em áreas pequenas, produzindo grandes quantidades de orgânicos belíssimos e fazendo rotação de canteiros. Então, é tudo uma questão de técnica. Lá, todo investimento contra pragas é feito no solo. É uma técnica muito impressionante. Portanto, os produtores brasileiros têm de se preparar. A opinião pública está mudando. Os agrotóxicos são um veneno, sim, e são acumulativos. Causam um estrago muito grande no sistema nervoso central. Temos de reduzir a produção em larga escala. Acredito que um dia veremos alimentos orgânicos produzidos em escala. Se queremos ter cidadãos urbanos sadios em nosso país, é importante que eles aprendam a consumir verduras idem, que foram plantadas em terrenos sadios. Hoje, existe a ditadura do agrotóxico, que deixa o agricultor dependente.
JE – O senhor visita a Ceagesp frequentemente?
Gonzalez – Quando eu morava no Rio, eu freqüentava muito a Cadeg (Centro de Abastecimento e Distribuição do Estado da Guanabara). Eu adoro o clima dos entrepostos. Agora, que estou em São Paulo, já vim à Ceagesp algumas vezes e o clima aqui é o mesmo. Isso é gigantesco e aqui temos o maior mercado do Brasil. Eu me sinto encantado pela profusão de cores, de alimentos, de frutas diferentes. Eu descobri aqui frutas que eu nunca tinha ouvido falar. É muito gratificante e estimulante visitar o entreposto de São Paulo. E estou adorando, porque já fiquei sabendo que existem boxes de orgânicos e espero que isto vire regra.
JE – Documentos como a Carta da Terra já estimulam essa de postura em relação ao que comemos?
Gonzalez – Penso que ela deve ser mais que um documento ou um discurso favorável. Isso deve atingir as pessoas no pensamento. E, agindo, nós conseguimos atingi-las. Discursar que estamos comendo muito mal é diferente de chegar e fazer uma mousse saudável na hora, na frente de todos e dar para as pessoas experimentarem. Lugar de médico não é apenas na cozinha. Lugar de médico é na Ceagesp, no meio do povo, educando, ensinando.
JE – Para finalizar, frutas secas podem ser consideradas alimentos vivos?
Gonzalez – Esses alimentos não são biogênicos. Não são 100% vivos, mas contém os antioxidantes. O importante é saber como desidratar. Por isso, nós usamos hoje desidratadores caseiros.
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